O Mullet

Bruno Roberto
3 min readNov 14, 2023

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Senhoras e senhores, peço vossa permissão para gongar uma tribo urbana muito querida na cidade de São Paulo: Os indies. Sobretudo, uma pessoa específica cujo ego é tão grande que sozinho ocuparia uma pistinha de música underground no centro.

De cara, o que chama mais atenção nessa figura é o cabelo – um mullet clássico de roqueiro dos anos 80. Se Stranger Things tivesse uma versão brasileira, seria ele o protagonista. Dito isso, a fim de proteger a identidade do divo, vamos chamá-lo apenas de “Mullet”.

Ele frequenta religiosamente uma balada típica da cena musical independente de São Paulo. Quando ele chega na porta, diz que conhece o dono e o segurança prontamente libera sua entrada, sem se importar com os mortais que esperam na fila. Esse é o início de um rebuscado processo de onanismo egoico que se estende noite adentro. Ostentando seu belo mullet e suas calças Adidas, ele toma conta da pista de dança e vai direto para o bar, onde os atendentes – todos amigos dele – já estão à espera com uma garrafa de cerveja em mãos. Todo mundo sabe quem ele é.

O Mullet então caminha pelo ambiente, cumprimentando geral como quem faz campanha para vereador. Enquanto interage com seus fãs, recusa diversas investidas românticas de meninos e meninas encantados pelo seu estilo. Grande parte deles já teve a honra de trocar saliva com o Mullet e pedem aos deuses para ter essa experiência mais uma vez. Ele é o cara. Ele pega geral.

Só não gosta muito de ficar com mulheres porque, segundo ele, elas “se apegam demais” e “vivem trazendo esse papinho de responsabilidade afetiva”. Realmente, ele está acima disso. Ele não precisa ter responsabilidade afetiva com ninguém porque só a companhia dele já é o suprassumo da realização pessoal.

Tive a honra de conhecê-lo melhor. Quis o destino que nossos caminhos se cruzassem e sou grato todos os dias pelo privilégio de saber mais sobre alguém tão fascinante. Nas nossas breves conversas, me mostrou como é desconstruído. Ele até estuda psicanálise, veja só!

Também pude observar de perto seu modus operandi na hora da conquista. A estratégia é sempre a mesma: logo no primeiro date, ele te convida a conhecer sua balada favorita. Ao chegar lá, faz questão de te mostrar como é bem-relacionado. Ele dança com você enquanto canta uma música dos Smiths para te mostrar que está apaixonado (e que sabe as letras de todas as músicas existentes).

Nos encontros seguintes, ele também sugere a mesma balada. Só que, dessa vez, flerta com várias pessoas na sua frente para testar seu ciúme. Afinal, ele odeia gente possessiva! E, convenhamos, a monogamia não combina nada com seu cabelo.

Depois que você passa no teste, ele lança a cartada final: diz que você é especial e que quer construir algo com você, mas quer ir devagar.

Depois disso, ele desaparece. E não, não é ghosting! É algo muito mais sofisticado porque o Mullet ainda vigia suas redes sociais. Vocês interagem, mas não muito. Até que, finalmente, você decide retribuir o interesse e é nesse momento que ele pula fora de vez.

Por fim, seu plano foi concretizado. Certa manhã, você desperta de sonhos intranquilos e encontra-se metamorfoseado em mais um fã do Mullet. Você se tornou uma das muitas pessoas que o cumprimenta na balada e tenta tirar uma casquinha desse Deus grego iluminado pela pista de dança.

Ele então segue sua vida tranquilamente. Como todo bom marmanjo de 35 anos nas costas, ele se dedica totalmente aos maiores pilares da existência: o mundo corporativo e as noites paulistanas. Ele continua por aí, arrasando com o mullet erguido, coração livre, cabeça cheia de MDMA – e como não poderia deixar de ser – colecionando fãs por onde passa. Ninguém segura esse cara.

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